domingo, 21 de junho de 2009

Os labirintos de Elza

Parte II

Rever alguns dos meus amigos, e como desdobramento passar algumas horas muito agradáveis com eles, era quase tudo o que eu havia necessitado nos últimos tempos. Porém, algo nesse momento se interpunha e certamente me inquietava. Talvez tanto, que em um dado momento o Adauto, o amigo de todas as confidências, arrastou-me para um lado e quis saber o que me preocupava. Falei-lhe da garota sem rosto, das circunstâncias em que a tinha visto, e do temor de que poderia jamais voltar a vê-la. Isso o divertiu um pouco, disse estar aliviado e, para tranquilizar-me, talvez, disse algo relacionado à cumplicidade que o tempo e o destino mantinham com os amantes. Se tudo havia conspirado para eu vê-la uma vez, poderia confiar que algo seria arranjado para eu encontrá-la em outra circunstância. O Adauto era assim: prático, sem rodeios, amigo. E voltamos para o grupo.

Apostando que talvez fosse um hábito dessa mulher, nos dias seguintes e na mesma hora, percorri a mesma rua; até mesmo entrei na igreja e sentei-me no último banco observando as pessoas que entravam e saiam. Nada.

Terminado o curto período de férias, viajei e voltei à rotina do trabalho. Cheguei a acreditar que jamais voltaria a ver essa garota que preencheu o meu pensamento, e despertou tantos sentimentos. Lamentei não ter resistido momentaneamente ao assédio dos amigos, e ter entrado naquela igreja, quando a garota lá entrou.

Talvez meu amigo Adauto tivesse razão quanto à cumplicidade do tempo. Eu esperava por uma promoção que eu sabia poder demorar até um ano para acontecer. Porém, algumas coisas se precipitaram, e menos de dois meses depois de eu ter viajado, fui convocado para assumir imediatamente uma função gerencial. Isso implicava em eu permanecer na minha cidade, e as viagens a trabalho existiriam, mas seriam esporádicas e de curta duração. Voltei feliz para a proximidade da família e dos amigos, e o calor da esperança de rever aquela garota que permanecia no meu pensamento, cresceu.

O tempo ainda não tinha diminuído na memória a lembrança daquele corpo de mulher, e também foi conselheiro e cúmplice no sentido de que a ele fosse confiado o possível reencontro. Mesmo assim, e sem as inquietações daqueles outros finais de tarde nos quais apostei em um possível hábito de Elza para reencontrá-la, em alguns finais de tarde andei pelos mesmos lugares por onde andei quando a vi pela primeira e até agora única vez.

Foi na manhã de um sábado que o que eu tanto esperava aconteceu. Eu soube que agora havia na minha cidade uma feira de flores, plantas e arranjos ornamentais que se instalava em determinado lugar de uma das praças, a cada quinze dias, aos sábados pela manhã.

Interessado em conhecer essa feira, e talvez renovar algumas plantas da minha casa, fui. Já havia feito algumas aquisições, as quais seriam entregues no meu domicílio, e estava pronto para ir embora, pois queria estar em casa quando fossem fazer a entrega das plantas, quando algum impulso interior fez-me interessar em ir até às bancas que só vendiam flores.

Foi quando, a poucos metros diante de mim, vi Elza que contornava uma das bancas para ir ao outro lado e, sem o querer, claro, mostrar-me o seu rosto. Lindo.

sábado, 13 de junho de 2009

Os labirintos de Elza

Parte I

Odiei cada instante vivido com Elza. Não. Não que tivessem sido instantes ruins. Todos eles foram momentos bons, talvez os melhores da minha vida, e cada um deles foram promessas de anos possivelmente felizes. Elza foi a primeira mulher a dizer amar-me, e eu pude olhar nos seus olhos e dizer que a amava com toda a intensidade do meu ser. A primeira vez que a vi foi como silhueta de uma bela mulher refletida em um espelho de uma vitrine.

Por razões de trabalho, eu havia estado ausente da minha cidade por um longo período, e finalmente gozava um curto período de férias. Havia visitado alguns lugares que há muito desejava ver, e revia minha família e meus amigos.

Eu chegara no início da noite anterior, e combinara com alguns amigos de nos encontrarmos no final da tarde do dia seguinte. Eu estava ansioso por revê-los, e por isso me antecipara em muito para o encontro, e gastava o tempo fazendo algumas coisas que me davam prazer. Acabara de sair de uma livraria e estava satisfeito por ter encontrado um livro que há muito desejava ler. Isso eu faria mais tarde, pois, no momento, gozava a ansiedade por rever os amigos. Para passar o tempo, olhava umas vitrines, sem real interesse em coisa alguma. Foi em um desses momentos que vi Elza que passava por traz de mim, refletida em perfil em um espelho à minha frente. Talvez outra mulher não tivesse causado tamanho arrebatamento. Virei-me, e pude vê-la se afastando, em passadas decididas, como quem tem um destino certo aonde ir.

Passado o momentâneo arrebatamento, não resisti ao ímpeto de segui-la. E o fiz. Seguindo-a, para sempre eu registraria na memória figura tão bela de mulher, muito embora não tivesse vislumbrado o seu rosto. Seus cabelos, de castanho claro, eram levemente ondulados e trazidos aparados um pouco acima dos ombros. Vestia blusa branca, de meias mangas que permitiam ver-lhe os antebraços graciosamente pendentes ao longo do corpo, dando elegância ao seu caminhar. Uma lufada de vento permitiu-me perceber que trazia um lencinho azul envolto no pescoço. A saia, talvez um pouco démodé e trazida um pouco abaixo dos joelhos, era plissada e de cor cinza esmaecida, e permitia ver-lhe os contornos dos quadris graciosos que produziam suave e delicioso rebolado. Os sapatos, pretos, tinham saltos medianos, e em muito contribuíam para o seu andar cadenciado e elegante. A pele, pelo que eu vislumbrara dos antebraços e das pernas descobertos, era clara e rosada.

Durante o tempo que a segui, sem alcançá-la, Elza não desviara o rosto para lado algum. Seguia em frente como se não existissem as galerias de vitrines ao seu lado. Logo adiante ela dobrou uma esquina que a levaria à praça da igreja Matriz. Quando dobrei a esquina, Elza entrava na igreja.

Certamente eu a seguiria até ao interior da igreja, porém, nesse instante, ouvi o chamado por meu nome. Virei-me; eram dois dos meus amigos que por ali passavam indo ao local marcado para o encontro. Vi-me envolto em colossal dilema: seguiria adiante, ao encontro dessa mulher para, pelo menos, ver-lhe o rosto; ou faria exatamente o que me propusera fazer nesse fim de tarde: entregar-me à felicidade de rever meus bons amigos. Não precisei decidir, pois eles decidiram por mim. Os momentos seguintes, e os demais que se seguiram, felizes pelo reencontro de amigos, jamais apagariam da memória aquele corpo de mulher. Eu reconheceria Elza entre todas as mulheres do mundo.