terça-feira, 21 de abril de 2009

Buracos Negros Sociais

Contou-me uma amiga.

Passara por um processo alérgico, com a pele avermelhada e uns pontos da pele inchada no busto, na altura dos seios e um pouco acima, quase chegando ao pescoço. Coçava.

Por volta das 20 horas foi ao hospital. Lá chegando, cruzou com uma pessoa que, pelas circunstâncias, havia acabado de ser atendida. O hall de espera estava vazio. Na recepção, deparou com duas atendentes que ouviam um médico jovem reclamar por estar cobrindo parte do plantão de um colega. Nem com a sua chegada ele interrompeu o que dizia.

Uma das moças imediatamente veio atendê-la. De onde estavam, seria impossível que, mesmo em meio à conversa, o médico não lhe ouvisse falar dos sintomas. Concluído o preenchimento do prontuário, a atendente avisou-a para aguardar que logo seria atendida. Sentou-se, e esperou.

As reclamações do médico ainda se estenderam por mais alguns instantes. Quando quis, pegou o prontuário e se encaminhou para o consultório chamando-a pelo nome como se na sala de espera houvesse outras e muitas pessoas. Ela o seguiu. Sentou-se à frente do médico, como ele lhe havia indicado. Como ato seguinte ele passou a escrever um receituário.

Ela, para facilitar procedimentos, estava usando uma roupa folgada, e estava sem sutiãs. Por conta, desabotoou a roupa, abaixou-a até o abdômen e perguntou ao médico se não seria melhor ele olhar. De onde estava ele olhou, rapidamente, e concluiu o receituário. Levantando-se, recomendou o uso imediato dos medicamentos dizendo que em duas horas tudo teria desaparecido. Minha amiga foi à farmácia, comprou os medicamentos, começou a usá-los ali mesmo procurando alívio, e rumou para sua casa.

Por volta das 23 horas ela voltou ao hospital, pois, apesar dos medicamentos, tudo estava na mesma, talvez um pouco piorado. Lá chegando, o tal médico já havia ido embora. Enquanto uma das atendentes fazia novo prontuário, a outra ligou para o médico plantonista daquela noite. Tiveram uma conversa extensa, no final da qual ele recomendou, por telefone, que minha amiga continuasse a usar os medicamentos receitados pelo colega, e que o posto de enfermagem lhe aplicasse uma injeção tal. Fizeram. Minha amiga ficou em observação por quase meia hora. Nesse tempo sentiu algum alívio nas coceiras, e foi para casa.

Pelo meio da madrugada, já com o marido em casa o qual chegara de viagem por volta da meia-noite, ela acordou apavorada. A vermelhidão e a pele elevada no busto haviam aumentado, desceram para o abdômen; tinha o pescoço e o rosto um pouco inchados. Voltou para o hospital, agora, claro, acompanhada do marido.

Lá chegando, eram outras as atendentes. Rapidamente elas tomaram conhecimento, pelos dois primeiros prontuários levantados, da situação toda. Imediatamente ligaram para o médico plantonista. Do outro lado havia um médico contrariado, que insistia em dizer que os procedimentos adotados até então pelo colega que o substituira em parte do plantão e por ele mesmo tinham sido os corretos. A chefa da enfermagem foi chamada, e ela passou a conversar com o médico, descrevendo o quadro atual, e rememorando para ele a medicação utilizada. Aumentou a preocupação da minha amiga ao ouvir a enfermeira questionar se não haveria risco de inchaço interno o que viria a prejudicar a respiração. Esse argumento parece que convenceu o médico de que deveria ir até o hospital. Plantonistas da noite dormiam em casa, pois no hospital não havia sala de repouso para os médicos de plantão, disseram para minha amiga.

O médico chegou quase 50 minutos depois, demonstrando estar visivelmente contrariado. Suspeita minha amiga de que o que o apressou foi uma emergência: a chegada de um rapaz que havia se acidentado com uma moto. Não era grave a situação com o rapaz, e ela foi atendida por primeiro.

Logo ao vê-la, quem ficou preocupado foi o médico. Determinou imediatos procedimentos e, realmente, examinou-a. Dizia à enfermeira que o acompanhava que a obstrução das vias respiratória já estava em processo de acontecer, o que complicaria o quadro; que foi muito oportuno terem-no chamado. Passou a considerar o fato do internamento. Por insistência da minha amiga e do marido, foi colocada em uma sala de observação. Em meia hora, talvez em razão dos medicamentos acertados, o quadro alérgico começou a regredir, quase desaparecendo os inchaços. O médico, que já havia atendido o rapaz acidentado, e alegando que precisaria retornar para a casa, insistia no internamento. O casal recusou, dizendo que iam para casa, continuariam o uso da nova medicação, e ficariam atentos. Em qualquer sintoma de retorno do quadro alérgico retornariam ao hospital, antecipando alguns telefonemas para agilizarem o atendimento.

O médico concordou, desde que assinassem um termo de responsabilidade. Assinaram, foram para casa, e o desconhecido processo alérgico foi embora.

Dois dias depois, lendo um dos jornais da cidade, na pagina social minha amiga deparou com a fotografia de um sorridente e feliz casal. A legenda dizia: “O casal de médicos (fulano e fulana) esbanjando simpatia no jantar dançante acontecido na noite anterior à passada.”