domingo, 26 de julho de 2009

Os labirintos de Elza

Parte VI


Eu gostava de ter o controle das circunstâncias e das coisas, e o fazia de maneira saudável, creio, tanto que essa característica foi um dos fatores que me levaram a obter a promoção pela qual esperava há muito tempo, pois eu conseguia manter uma equipe coesa, cooperativa, quase sem atrito, muito produtiva, e assim construía relacionamentos, tanto na vida pessoal quanto no trabalho. Porém, no primeiro encontro com Elza ao acaso na feira de plantas e flores, e no seu primeiro telefonema, eu percebi que isso de nada adiantaria em se tratando de Elza. Essa percepção foi intuitiva e logo percebida quando procurei dar atenção a cada detalhe desse novo relacionamento; e se eu quisesse construir uma história de amor com Elza, assim teria de ser feito. Não que Elza demonstrasse vontade de ter o controle das situações, mas por eu ter percebido que, por alguma razão, era assim que ela gostaria que as coisas acontecessem, e que eu deixando que assim fosse minhas chances com ela aumentariam. Tempos depois eu saberia o quanto acertada foi essa minha atitude, e o quanto isso foi importante para a vida de Elza.
A primeira hora falando com Elza ao telefone passou como se fora apenas alguns breves minutos. Notei isso quando alguém da casa deu-me um caldo quente e apontou-me o relógio, pois eu perdera o jantar: quase uma hora e meia havia se passado, e a conversa continuava animada, e quase inconsequente se não se tratasse de eu estar falando com Elza.
Percebi que, para Elza, o seu tempo verbal era quase todo no presente. Se ela falava alguma coisa relativa ao passado, esse passado não ia além da última semana. Mais tarde eu perceberia que, relativamente ao futuro, o depois de amanhã praticamente não existia para Elza. Do nosso primeiro encontro na feira, e da primeira vez em que a vi na rua e a segui até ela entrar na igreja, ela pedia para que eu falasse, e eu repetia evitando que isso soasse ao pueril. Quando falei do primeiro encontro, da braçada de rosas coloridas que ela trazia, disse-me que elas já não existiam, que apesar dos cuidados, haviam murchado e já estavam mortas, e que apenas uma ainda estava com ela. Quando lhe perguntei como e porque, ela pareceu refletir um pouco, disse que falaria dessa rosa, e depois perguntou se eu não lembrava que a um dado instante ela teve de fazer um movimento para permitir que uma pessoa passasse rente a nós e que uma das rosas havia tocado em meu braço; que ela discretamente havia destacado essa rosa das outras; que chegando a sua casa a havia colocado em um vaso solitário e, antes que a flor murchasse, procurou fazer dela um marcador de páginas, e essa rosa agora marcava a página do livro que estava lendo. Todas essas coisas, simples, nos divertiam e levavam a conversa para mais adiante sem percebermos o tempo correr e, para mim, o mais importante: uma rosa seca entre as páginas de um livro era o meu elo com as lembranças de Elza que pensava em mim.
Por algum breve momento, quando eu lhe perguntei se eu não teria mesmo o número do seu telefone, um endereço onde pudesse buscá-la e levá-la nos encontros pelos quais eu sonhava, eu pude imaginar Elza olhando calada para além, para lugar algum, e refletir, para depois dizer que ela telefonaria outras vezes, e jamais mencionaria onde eu poderia encontrá-la. Logo eu intuiria que assim também deveria ser: Elza controlaria o nosso tempo.
O primeiro telefonema de Elza demorou mais de três horas, e quando desligamos fiquei ainda algum tempo com o telefone mudo nas mãos tentando compreender como as coisas fluiriam, e a imaginava do outro lado ainda pensando em mim.
Depois, tanto nos questionamentos feitos pelos de casa querendo saber quem era Elza, quanto nos questionamentos dos amigos, quando lhes contei sobre o telefonema de Elza, e dizia-lhes que ainda não obtivera nada mais de quem era Elza, eram unânimes em dizer que, certamente, Elza teria mais alguém, que era mulher já comprometida.
Para mim, e por enquanto, bastaria apenas que Elza me telefonasse uma vez mais.

sábado, 18 de julho de 2009

Os labirintos de Elza

Parte V

Nesse dia, houve angustiantes horas de espera por um novo telefonema de Elza, e eu não o queria perder por nada deste mundo. Porém, as horas todas, transcorridas como se fossem a própria eternidade, transformaram-se em interminável final de tarde, e o telefone insistia em anunciar toques que pareciam vir de todo o mundo, menos de quem tanto eu desejava.
No cair da noite, resisti ao assédio dos amigos para o encontro habitual após o trabalho. Em razão deste, o dia não fora nada tedioso, exatamente como eu gostava que fossem os meus dias. Porém, por uma única outra razão, eu trazia nas carnes e na alma o desejo por um longo banho e o recolhimento: e como lamentei, outra vez, não ter insistido para ter um número de telefone através do qual pudesse falar com essa mulher que dominava inteira o meu pensamento. Chegando em casa, perguntei de imediato se alguém com o nome de Elza teria ligado para mim. Nada.
O banho teria feito exatamente o que dele eu havia esperado. No entanto, longo que foi, muito acima do habitual, não foi suficiente para lavar do pensamento tudo o mais que eu retivera na memória relacionado a Elza. Antes, a água tépida, como eu gostava às vezes que fosse, parecia cozinhar as minhas entranhas e, a cada lembrança de um olhar, de um breve sorriso, de cada uma das palavras ditas com a voz envolvente de Elza, faziam crescer em cada célula do meu corpo a quase irresistível ardência que vinha desse amor paixão que eu sentia.
Esse banho precisou chegar ao seu fim.
Depois de vestir-me, e falar com os de casa; e de não poder dizer exatamente quem era Elza de quem esperava um telefonema, servi-me de um aperitivo, e comecei a folhear de forma inconsequente umas revistas, o que me fez consumir toda a bebida e ficar pensativo, sustentando o copo vazio na mão. Nesse tempo o telefone havia tocado duas vezes: uma de um amigo que me convidava a ir a um encontro no qual teria chance de conhecer novas pessoas, convite esse que, contrariamente ao habitual, recusei; e outra para alguém da casa.
Chamado para o jantar já posto, eu estava prestes a sentar-me à mesa, quando o telefone tocou. Eu não saberia dizer nem como, nem porque, mas, tive a certeza de que finalmente eu falaria novamente com Elza. A certeza veio quando alguém atendeu ao telefone, e anunciou: é Elza!
O telefonema de Elza foi o meu jantar nesse dia.

sábado, 11 de julho de 2009

Os labirintos de Elza

Parte IV

Ainda fiquei olhando por algum tempo o taxi que se afastava levando Elza para longe de mim, até que ele dobrasse em uma esquina. Eu estava rarefeito, flutuava, e cada partícula minha guardava a certeza de que eu amaria essa mulher por toda a minha vida. Tudo em minha volta pareceu transportar-se para outra dimensão: as flores no final da feira, as plantas, as pessoas, as falas, tudo o mais, pertenciam agora a um mundo que somente existe no coração que prova a prova da paixão e do amor.
Vencido o momento de novo arrebatamento por ter estado com Elza, procurei logo por um telefone com o qual falar com o Adauto, o perfeito amigo para as boas horas, e também para as não tanto. Eu queria contar-lhe todas as novidades. Sua família era dona de uma empresa comercial, e disse-me ele que, mesmo sendo um sábado, estaria ocupado com algo da empresa que lhe tomaria toda a tarde. Porém, menos que meia hora depois estávamos bebericando em um barzinho que costumávamos freqüentar. O Adauto quis saber de tudo.
Uma das primeiras coisas que perguntou foi o nome dessa garota que tanto frenesi causava em mim. Somente então percebi que ainda não sabia seu nome. Foi Adauto quem disse que eu havia passado por bom tempo procurando por uma mulher sem rosto, e agora estava apaixonado pela mesma mulher agora sem nome; que meu caso era de uma perdição no amor. Depois, enquanto almoçávamos, foi o Adauto quem fez uma primeira conjectura plausível, devido ao fato de Elza não ter-me dado seu nome e um número de telefone: seria ela uma mulher livre? Isso me desconcertou, penso, pois logo o Adauto desconsiderou isso e deu palavras de esperança e certeza de que em qualquer circunstância ela telefonaria.
Tenho certeza. Se eu tivesse recebido o número do telefone de Elza, nesse mesmo sábado eu teria telefonado. Porém, passou o sábado e o domingo, e o que tive foram sobressaltos e decepções a cada toque do telefone e perceber que do outro lado não era Elza quem ligava.
Passaram-se mais alguns dias, e nenhum telefonema. Até que, certo dia, precisei fazer uma viagem de um dia. Ao retornar no dia seguinte, logo ao chegar, junto com o seu sonoro bom dia, a Norminha – parceira no trabalho que havia se transformado em dileta amiga – disse-me que Elza havia ligado. Quando perguntei quem era Elza, de onde era, e se havia deixado um número de telefone, Norminha fez uma expressão e um trejeito que queria dizer que se eu não soubesse, saberia ela? e que a voz do outro lado disse que voltaria a ligar. Então eu tive a certeza: Elza era o nome da mulher que eu amava.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Os labirintos de Elza

Parte III

Finalmente eu tinha a mulher com a qual havia sonhado, inteira diante de mim. Era bela, e trazia consigo um maço de rosas de variadas cores, e olhava todas as flores expostas nas bancas da feira com expressivo prazer. Fiquei por alguns instantes perdido em pensamentos, e feliz por tê-la reencontrado.
Eu não poderia perdê-la. Aproximei-me quando ela estava algo pensativa e diante de uma profusão de lírios brancos. Disse-lhe que eram lindos, e ela, sem olhar-me, disse que eram tristes lembranças de morte, e continuou a olhar os lírios, ainda pensativa. Sua voz era envolvente, e no momento eu soube dizer apenas que achava os lírios alegres e assemelhados a barulhentos clarins brancos, e perguntei se ela não ouvia a música. Ela meneou a cabeça e sorriu, dizendo que talvez fosse melhor se fossem assim e, talvez pensando ser eu um vendedor, seguiu adiante parando em uma banca repleta de violetas intensamente coloridas. Eu a segui, aproximei-me, e procurei uma forma de chamar-lhe a atenção. Ela olhou-me. Percebi que fizera uma rápida avaliação de mim e, delicadamente, sorriu.
Fui direto. Disse-lhe rapidamente da vez que a tinha visto; que eu a havia seguido secretamente; do impulso enfim fracassado de entrar também na igreja; e que nos últimos tempos ela povoou os meus pensamentos; e do meu intenso desejo de reencontrá-la, o que acontecia enfim. Enquanto eu falava, pareceu-me que ela intensificava sua avaliação, pois olhava detalhes de mim, procurava algo em meus olhos, e sorria delicadamente. Quando terminei, ela desviou o olhar como se vislumbrasse algo distante, depois, baixou o olhar para as rosas que trazia consigo, e ficou por breve momento pensativa. Por fim, olhou para mim, um pouco triste, pensei, e sorriu levemente sem nada dizer.
Eu, sem temor algum de estar sendo inconveniente, disse-lhe que adoraria ter a oportunidade de um encontro em algum outro momento para conversarmos. Delicadamente ela disse que talvez fosse melhor não, e pareceu-me que dizia isso com algum desconforto, como se em seu íntimo tivesse desejo contrário. Pedi-lhe, então, um número de telefone pelo qual eu poderia entrar em contato, e então teríamos chance de nos falar já em outra circunstância.
Novamente, ela baixou os olhos para as rosas que trazia, e parecia-me que ponderava profundamente. Por fim, disse ser melhor que ela tivesse o meu número de telefone, que ela telefonaria. A uma expressão minha um tanto de angústia e desconfiança de estar fracassando, ela sorriu serenamente e disse que telefonaria. Dei-lhe meu cartão com o telefone do trabalho e da minha residência. Ela o acolheu, olhou-o por alguns instantes, e repetiu que telefonaria. Depois se desculpou, e disse que precisava ir.
Antes que ela se fosse, estendi o braço para a banca, peguei um vasinho com violetas roxas que me pareceram as mais radiantes, e entreguei para ela, acrescentando que era para não ser esquecido. Elza também ficou radiante, agradeceu e, pedindo para que eu não me importasse, apontou para outro vasinho com flores brancas dizendo que ficaria com aquele. Rimos. Elza olhava para o vasinho em sua mão, e pareceu-me estar feliz.
Em seguida, ela disse que telefonaria, despediu-se e se afastou em passadas suaves que nada lembravam as passadas resolutas da primeira vez que a vi. Pouco adiante parou um taxi. Antes de entrar no taxi, talvez na certeza de que eu a acompanharia com o olhar, ela olhou para mim, ergueu o vasinho como a agradecer mais uma vez, e sorriu.
Não sei dizer quantas vezes mais eu veria Elza entrar em um taxi, e desaparecer do meu olhar.