sábado, 26 de setembro de 2009

Os labirintos de Elza

Parte X

A semana seguinte passou como se aqueles momentos tão agradáveis não tivessem acontecido. Elza não telefonou, e sequer respondeu à minha carta escrita já no sábado à tarde na qual eu dizia coisas ainda não ditas.
Nesse tempo, o que eu ouvia dos meus amigos eram estímulos para esquecer Elza. Mais do Adauto, ao qual eu havia confessado que nada mais havia acontecido além que rápidos beijos nas faces; e ele lembrava-me das noitadas com garotas, e dizia-me sentir falta disso, da minha companhia nessas noitadas intermináveis. Já a Norminha, talvez por ser mulher, parecia-me olhar de um jeito algo penalizado, talvez desconfiada de que eu não soubesse compreender o espírito feminino. Perguntava-me coisas, eu respondia. Ao final, acrescentava ao seu olhar algo ainda mais enigmático, e dizia para eu continuar, que tudo iria acontecer ao seu tempo. Dividido entre essas duas opiniões contraditórias, eu oscilava entre o impulso para manter a lealdade que eu sentia dever a Elza, e os momentos agradáveis ao lado de garotas liberadas, alegres, sempre prontas para tudo ou nada.
Quase no final da segunda semana sem ter notícias de Elza, ela telefonou-me. Então, já convencido de que assim deveria ser, agi como se houvéramos nos visto na véspera. Percebi repetida a impressão de que Elza teria acabado de sair de uma ressaca, apesar de ser no princípio da noite, algum tempo depois de eu ter chegado do trabalho. Conversamos; eu disse que precisaria vê-la. Combinamos sair no sábado seguinte, que seria daí a dois dias; finalmente, um encontro em um final de tarde.
Encontramo-nos em umas das praças da cidade, para mim, a mais agradável, espaçosa, que trazia em um dos seus recantos uma porção de água sempre corrente e mantida limpa, povoada de carpas coloridas. Em determinado lugar, o suave marulhar de água em ligeira cascata. Um belo lugar para encontros e momentos agradáveis.
Elza parecia-me bem, ou, melhor, em dado momento das nossas idas e vindas no passeio pela praça, pareceu-me que ela se esforçava para parecer bem. Ria; falava-me feliz das coisas que via; como uma criança faria, escolhia entre as carpas coloridas aquela que mais lhe parecia solta, alegre, de bem com a vida, como dizia. Sentamo-nos na grama, em um dos muitos recantos traquilos que havia por ali, e repetia-se a mesma sensação: estando eu ao lado de Elza, tudo o mais ao redor parecia não existir, e isso, para mim, sempre ficava claro que era recíproco em Elza.
Em dado momento, de tão absortos estávamos, percebemos que principiava escurecer. Lembrei-me nesse momento de ter visto algo relativo a uma exposição de pinturas que estava acontecendo em uma sala contígua ao teatro da cidade, não muito distante de onde estávamos, e rumamos para lá.
Felizmente, a exposição estava aberta àquela hora. As telas, não muito grandes, era um trabalho interessante: uma série de pintura de recantos em meio a matas, em cores vibrantes, colhidas como que instantâneos fotográficos. O que havia de incomum, mas, comum em todas as pinturas dessa série, eram os fachos de luz. O artista, demonstrando enorme sensibilidade, registrou traços de réstias de luz vindas do Sol, trespassando espaços entre a folhagem e incidindo no chão. Era quase possível, como que em um relógio solar, dizer a hora em que o cenário foi pintado. Em uma delas, em que os raios solares incidiam quase que em ângulo reto, eles inundavam de luz uma pequena clareira no meio da porção da mata retratada. Elza admirava cada uma das telas. Nessa, porém, disse, radiante, ter o desejo de mergulhar no cenário e dele fazer parte. Brincando, dizia que, dali, acenaria para mim, e me convidaria para sentar ao seu lado. E olhou-me com uma intensidade que eu ainda não havia percebido em seu olhar. E eu soube: Elza me amava.

domingo, 13 de setembro de 2009

Os labirintos de Elza

Parte IX


Após voltar, passaram-se mais alguns dias até eu receber um breve telefonema de Elza e, no dia seguinte, a sua segunda carta. Nesse hiato de tempo, cheguei a pensar se valeria a pena continuar a alimentar alguma esperança de futuro junto a Elza. Mas, algo de inexplicável e profundo em mim, me impulsionava ir adiante. Ainda mais, que, Elza, embora dissesse nessa carta declinar, desculpando-se, de aceitar meu convite para um jantar, e deixar claro que isso seria maravilhoso acontecer, marcou nosso próximo encontro.
Sem nada mais acrescentar, ela disse que, no sábado seguinte, estaria na mesma hora e no mesmo lugar no qual, segundo eu lhe dissera, eu a havia visto pela primeira vez: no lugar, portanto, na rua, onde eu a vira brevemente refletida no espelho de uma vitrine.
Como daquela vez, quando estava ávido por rever meus amigos após uma longa ausência, dirigi-me ao mesmo lugar com quase meia hora de antecedência, desejoso de não fazê-la me esperar. Não foi preciso. É como se tivéssemos combinado isso: ao ir me aproximando do exato lugar onde deveríamos nos encontrar, vi Elza que vinha ao meu encontro. Estava radiante, vestida com encantadora leveza, e sorria lindamente. Parecia transbordar felicidade ao ver-me. Foi natural e denso o impulso que tive de ir rápido ao seu encontro, envolvê-la com meus braços, e beijá-la apaixonadamente. Mas, foi Elza quem conduziu esse encontro. Com naturalidade, estendeu-me a mão para um formal cumprimento. Talvez por brevíssimo instante eu tenha deixado transparecer decepção. Então, acolhi sua mão, macia, morna, ligeiramente úmida, e a retive entre as minhas mãos, meus olhos nos seus olhos que brilhavam, talvez de contido arrebatamento. Levemente eu a atraí para mim, para beijá-la. Elza ofereceu-me suas faces, às quais beijei, e aspirei seu inconfundível perfume.
Caminhamos pela rua que naturalmente era fechada ao trânsito de veículos. Tudo o mais parecia ter deixado de existir: as lojas, as pessoas que iam e vinham, os sons vindos de todos os lugares. Conversávamos sobre coisas, coisas que pareciam não pertencer a um passado, nem depender de um futuro, e isso era delicioso. Por fim, nos sentamos a um dos muitos bancos dispostos ao longo da rua, e protegido do sol da manhã. Ficamos ali, por longo tempo.
Tomamos um sorvete que eu fora buscar em um estabelecimento próximo dali; nos lambuzamos um pouco, e ríamos, felizes.
Foi Elza quem lembrou que naquele sábado deveria estar acontecendo a feira quinzenal de plantas e flores onde nos falamos pela primeira vez. Rumamos para lá. Como
Elza, as flores estavam radiantes. Em uma banca onde percebi que as rosas pareciam mais belas, pedi reservadamente à senhora que me atendeu para preparar um buquê com muitas rosas vermelhas, e disse-lhe confiar que o buquê fosse feito com o melhor dos esmeros, apontei Elza que se distraia olhando uns vasos um pouco adiante. A mulher disse ter entendido, e o faria muito especial.
Quando Elza recebeu o buquê de rosas pouco depois, realmente maravilhosos, pareceu desfazer-se em incontida felicidade. Estávamos bem ao lado de um recipiente que continha apenas rosas brancas. Em um impulso, recolhi aquela que achei ser a mais perfeita entre todas, beijei-a, e entreguei para Elza que a acolheu, olhou-a intensamente, beijou-a, acariciou-a, e a colocou destacada entre as demais rosas vermelhas do buquê, e parecia flutuar em felicidade que me contagiava. Paguei à senhora que nos atendeu, que falando baixinho, desejou-me felicidade. Pouco depois passamos pela banca de onde, no primeiro encontro, eu recolhera o vasinho com violetas e o dera para Elza. Ela foi quem se lembrou disso, e disse-me que o vasinho transbordava flores brancas, e que de três folhas mais velhas havia reproduzido a planta, e que a primeira delas logo estaria florindo.
Aproximava-se o meio dia, e pensei ser natural almoçarmos juntos. Convidei-a. Elza repetiu aquele seu gesto de olhar para lugar algum, refletir, e dizer-me que precisava ir para casa. Não retruquei, não insisti, e a acompanhei até um ponto de taxi que ficava próximo de onde estávamos. Abri-lhe a porta. Antes de entrar no taxi, Elza aproximou a rosa branca dos seus lábios, beijou-a, e segredou-me que cuidaria para que essa rosa durasse mais que todas as outras. Beijamo-nos nas faces. Elza entrou no taxi. Enquanto eu fechava a porta, ela olhava-me feliz, e agradecia pela bela manhã que tivera.
Depois, novamente, fiquei olhando o taxi se afastar, e dobrar uma esquina. Fiquei ainda parado alguns instantes; e veio-me o pensamento de que Elza rumava para um seu mundo por mim ainda desconhecido, e mergulhado em densas névoas de mistério.