Interessado em melhorar suas chances em um concurso público, que ocorreria alguns meses depois, procurou-me um rapaz propondo que o submetesse a uma revisão dos conhecimentos de Língua Portuguesa. Concordei, e concertamos dois encontros semanais.
No primeiro encontro perguntei-lhe sobre as leituras que fazia. Disse-me que lia pouco, e que no momento se interessara e lia um livro que, pelos comentários que fez, deduzi tratar-se de um livro classificável como de auto-ajuda. Incentivei-o a ler mais, e que adicionasse às suas leituras, alguma coisa de jornais e revistas.
Cada um dos encontros seguintes eu os iniciava perguntando pelas leituras que fizera. O rapaz sempre falava dos trechos lidos no tal livro, e o que dizia a respeito pareciam-me idéias um tanto confusas. Pedi que em um dos próximos encontros trouxesse o livro para eu conhecê-lo.
Tendo-o em mãos, li a sinopse na contracapa. Depois, corri os olhos por umas páginas um pouco anteriores ao ponto onde estava o marcador de páginas, próximo ao meio do livro.
Chamou-me a atenção um parágrafo o qual li por inteiro, pois me pareceu conter o principal fundamento do livro, segundo o que eu lera na sinopse. Esse parágrafo, com pouco mais de uma dezena de linhas, era encerrado por um período de não mais de três linhas, e continha duas palavras fundamentais para o assunto abordado pelo livro. Pedi para o rapaz ler esse período e falar do seu entendimento dado a esse pequeno recorte.
Leu, e a explicação que ouvi, confusa, não tinha nada a ver com o que dizia o período, e longe do propósito do livro.
Disse-lhe para ler o parágrafo todo, e pensar no que acabara de ler; e disse-lhe que, enquanto fazia a leitura com toda a atenção, eu iria buscar um dicionário. Fiz isso, com a intenção de que meu gesto fosse visto como um signo indicativo da necessidade de redobrar os cuidados na leitura.
Quando retornei, ele disse ter concluído a leitura, e se distraia fazendo as páginas deslizarem pelo polegar direito. Perguntei pelo que lera, e repetiu o mesmo comentário de antes.
Indiquei-lhe uma das duas palavras, das quais deveria procurar pelos significados. Fez isso demonstrando ter pouca familiaridade com o dicionário, pois, por fim, tive de ajudá-lo. Encontrou a primeira; leu até a metade dos significados possíveis, e repetiu o mesmo entendimento dado antes, demonstrando certo grau de satisfação. Pedi que voltasse ao dicionário e lesse até o final os significados, pois era a partir do ponto onde parou que encontraria os significados que dariam sentido à sua leitura.
O livro falava de um pai que passava ensinamentos ao filho, de como amealhar fortuna. No parágrafo em questão, o pai dizia que a maioria das pessoas não sabia discernir o ativo do passivo, por isso não era rica. O tempo todo o livro vinha falando disso. O rapaz, ao ler o período no qual o pai falava disso com mais precisão, e depois o parágrafo inteiro que melhor entendimento dava ao conteúdo, disse-me que o pai dizia que as pessoas ricas eram ativas, e por serem ativas eram ricas, Já uma pessoa passiva, esperava que tudo caísse do céu como um milagre, e que as coisas não eram bem assim, pois que as pessoas deviam ser ativas, e por isso teriam mais chances de serem ricas.
No resto do encontro discutimos a importância de compreender os significados das palavras, para que essa compreensão produza conhecimento.
A partir daí, a leitura do livro passou a ter outra dimensão para esse jovem. Nos encontros seguintes, isso ficou muito claro.
Bem. O rapaz havia feito todo o seu estudo em escolas particulares. Havia “passado” em um vestibular em uma instituição universitária também particular. Do curso que havia escolhido, cursou apenas seis meses. Desistiu, pois o tal curso exigia conhecimentos das exatas, matemática e física, nas quais dizia ter dificuldades.
Fico pensando se sua escolha tivesse recaído em alguma das humanas, tão inexatas.