domingo, 16 de agosto de 2009

Os labirintos de Elza

Parte VII

Precisei esperar vários dias por outro telefonema de Elza. Não precisaria dizer que vivi continuados momentos de inquietações, e quanto mais o tempo passava e não era Elza quem estava ligando quando soava o alarme do telefone, as inquietações iam se transformando em angústia. E pior: eu simplesmente não sabia o que fazer, ou, pior ainda, nada podia fazer.
Finalmente um dia, logo após eu ter chegado ao trabalho, ao atender a um dos telefonemas, era Elza quem estava no outro lado. Ela foi breve, disse estar feliz por finalmente estar ligando para mim, mas não queria causar problemas devido ao fato de eu estar no meu local de trabalho. Eu disse-lhe que, pela minha posição, isso não teria importância, que poderíamos nos falar por mais tempo, contanto que não fosse por três horas seguidas. Ela riu, e insistiu em desligar, dizendo que me telefonaria a uma determinada hora quando eu já estivesse em casa. Ainda perguntei-lhe o porquê de ter demorado tanto para telefonar-me, ela ficou por algum momento em silêncio, e depois disse, com algum embargo na voz, que foi involuntário, que assim foi preciso ser, e que ela também se angustiara por não ter podido ligar. Após ela desligar, mantive na memória a impressão de que havia algo de diferente na sua voz, cheguei mesmo a associá-la a uma voz de ressaca, o que de certa forma pareceu-me absurdo, mesmo pelo pouco que eu sabia de Elza.
O dia foi longo demais, muito embora tenha sido um daqueles dias de muita atividade, exigindo ações constantes, e até sendo obrigado a aproveitar a hora do almoço para encaminhar alguns assuntos que parecem fluírem melhor nesses momentos de relativa calmaria, quando se cria pretextos para se falar de negócios. No final, esse foi um dos raros dias nos quais fui fiel ao relógio quando terminou o expediente. Ou, melhor, alegando ter algo a fazer, e premido pelo tempo, avisei ao meu pessoal imediato e saí uns momentos antes. Pareceu-me que a Norminha foi a única que entendeu da importância do algo mais que eu tinha que fazer, afinal ela havia presenciado parte da conversa com Elza no início do expediente. Desejou-me boa sorte, e atirou-me um soprado beijo. Retribuí, e saí apressado.
Fui direto para casa. Contrariando o habitual, quando procuro logo por um banho, dei o costumeiro alô ao pessoal da casa, servi-me de uma bebida procurando relaxar, e fiquei atento ao telefone, fingindo ler algo. Pouco tempo depois soou o telefone: era Elza, fiel ao que prometera.
De alguma forma eu já sabia que da minha parte não devia haver cobranças ou pedido de explicações pela forma como nos relacionávamos, pela dependência de que apenas Elza era quem detinha a via que nos ligava. Falamos por um bom tempo, de trivialidades que nos divertiam e tornavam o papo agradável. A voz de Elza já estava bem melhor, pouco lembrava aquela voz de ressaca da manhã. Porque ela perguntava, eu dizia de algumas coisas que havia feito nesse hiato de tempo. Elza, porém, nenhuma referência fez sobre o que fizera nesses dias todos, e pareceu-me feliz por eu não ter insistido em saber, muito embora isso gritasse dentro de mim. No íntimo, repito, uma irresistível intuição me dizia que assim devia ser.
Antes de desligarmos, Elza disse-me que havia pensado em algo que, de alguma forma, nos daria chance de nos comunicarmos com talvez outra liberdade, e que em parte resolveria o problema de eu não ter o seu número de telefone.
Três dias depois, entre as minhas correspondências havia um elegante envelope subscrito com uma magnífica caligrafia. O meu endereço, certamente foi retirado do cartão que no primeiro dia de encontro na feira de flores e plantas eu entreguei para Elza, o qual ela havia recolhido, olhado por alguns instantes e então dito que telefonaria.
Como remetente, havia apenas: Elza Flávia, e o número de uma caixa postal.

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